segunda-feira, 22 de junho de 2015

O legado crítico de Pierre Bourdieu

                O sociólogo francês Pierre Bourdieu morreu na noite do dia 23 de Janeiro, num hospital de Paris, em consequência de um cancro, aos 71 anos de idade. Catedrático de sociologia no Colége de France, Pierre Bourdieu era considerado um dos intelectuais mais influentes da sua época. A educação, a cultura, a literatura e a arte foram os seus primeiros objectos de estudo. Nos últimos anos, Bourdieu vinha-se dedicando ao estudo dos meios de comunicação e da política. Autor de uma sofisticada teoria dos campos de produção simbólica, o sociólogo procurou mostrar que as relações de força entre os agentes sociais apresenta-se sempre na forma transfigurada de relações de sentido. A violência simbólica, outro tema central da sua obra, não era considerada por ele como um puro e simples instrumento ao serviço da classe dominante, mas como algo que se exerce também através do jogo entre os agentes sociais.
                Um dos pontos mais originais da obra de Bourdieu reside na vontade de superar o que ele chamava de "falsas antinomias" da tradição sociológica – entre interpretação e explicação, estrutura e história, liberdade e determinismo, indivíduo e sociedade, objectivismo e subjectivismo. Pierre Bourdieu não era apenas um pesquisador excepcional, reconhecido pela comunidade académica internacional, mas um intelectual empenhado nas lutas sociais e no debate público, na tradição francesa que reúne nomes como Émille Zola e Jean-Paul Sartre. Na década de 90, aprofundou esse seu empenhamento nos movimentos sociais, trabalhando pela criação do que chamava “uma esquerda da esquerda”, ou seja, uma esquerda que recusasse os compromissos que, ao longo do século XX, foram sendo assumidos pela esquerda europeia mais tradicional. No caso da França, especialmente pelo Partido Socialista. Em 1992, o sociólogo afirmou: “Dez anos de poder socialista (a era Miterrand) provocaram a demolição da crença no Estado e a destruição do Estado-providência em nome dos ideais liberais”.
"A cidade dos sábios"
                Face ao silêncio dos políticos diante dos problemas sociais, Bourdieu passou a apelar para a mobilização dos intelectuais. “O que defendo”, costumava dizer, “é a possibilidade e a necessidade do intelectual crítico”. Para Bourdieu, não pode haver democracia efectiva sem um verdadeiro contra-poder crítico. O sociólogo dedicou os seus últimos anos de vida a combater o neoliberalismo sob todas as suas formas. Colocou os seus conhecimentos científicos ao serviço do empenhamento político. Numa de suas últimas obras, Contre-feux 2, Pour um mouvement social européen, Bourdieu afirma: “Fui levado pela lógica do meu trabalho a ultrapassar os limites que eu mesmo havia estabelecido em nome de uma ideia de objectividade que, percebi, era uma forma de censura”. Ultrapassar esses limites, para ele, significava tirar o saber para fora da “cidade dos sábios” e colocá-lo a serviço das lutas sociais contra o neoliberalismo.
                Um dos principais alvos de crítica de Bourdieu, nos seus últimos anos de vida, foram os meios de comunicação, que estariam, segundo ele, cada vez mais submetidos a uma lógica comercial inimiga da palavra, da verdade e dos significados reais da vida. Era um crítico feroz do lixo cultural produzido pelos média contemporâneos. Na sua obra Questions aux vrais maîtres du monde, afirmou: “Esse poder simbólico que, na grande maioria das sociedades, era distinto do poder político ou económico, hoje está concentrado nas mãos das mesmas pessoas que detêm o controlo dos grandes grupos de comunicação, quer dizer, que controlam o conjunto dos instrumentos de produção e de difusão dos bens culturais."
                Bourdieu também era um crítico da globalização (ou mundialização, como preferem os franceses) financeira. Recusava a escolha entre a mundialização concebida como “submissão às leis do comércio” e a defesa das culturas nacionais ou de qualquer forma de nacionalismo ou localismo cultural. Ao fazer essa recusa, defendia a construção de um movimento social europeu como primeira etapa da construção de um movimento social internacional, no espírito daquele que tem vindo a ser construído em torno do Fórum Social Mundial. Deixa um legado importante e uma convocação veemente aos intelectuais para que abandonem a “cidade do saber” e passem a enfrentar o som e a fúria do mundo.


MARCO WEISSHEIMER

domingo, 21 de junho de 2015

Pierre Bourdieu e a Educação

      É difícil fazer um balanço equilibrado das contribuições e dos limites da obra de Bourdieu no campo da Sociologia da Educação. Bourdieu teve o mérito de formular, a partir dos anos 60, uma resposta original, abrangente e bem fundamentada, teórica e empiricamente, para o problema das desigualdades escolares. Essa resposta tornou-se um marco na história, não apenas da Sociologia da Educação, mas do pensamento e da prática educacional em todo o mundo. A escola seria, nessa perspectiva, uma instituição neutra, que difundiria um conhecimento racional e objetivo e que selecionaria seus alunos com base em critérios racionais. Uma das teses centrais da Sociologia da Educação de Bourdieu é a de que os alunos não são indivíduos abstratos que competem em condições relativamente igualitárias na escola, mas atores socialmente constituídos, que trazem em larga medida incorporada, uma bagagem social e cultural diferenciada e mais ou menos rentável no mercado escolar. A partir de Bourdieu tornaram-se praticamente impossível analisar as desigualdades escolares, simplesmente, como frutos das diferenças naturais entre os indivíduos.

Bibliografia parcial

Entre as obras de Bourdieu traduzidas para português, contam-se:
·         A Dominação Masculina, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999.
·         Sobre a Televisão, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
·         O Senso Prático, Petrópolis, Vozes, 2009
·         A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, Lisboa: Editorial Vega, 1978
·         Questões de Sociologia, Lisboa: Fim de Século, 2003
·         O Que Falar Quer Dizer: a economia das trocas simbólicas, Algés: Difel, 1998.
·         A economia das trocas simbólicas, São Paulo, Editora Perspectiva S.A., 2003
·         O Poder Simbólico, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1992.
·         As Regras da Arte: génese e estrutura do campo literário, Lisboa: Presença, 1996
·         Razões Práticas: Sobre a teoria da ação, Campinas, Papirus Editora, 1996
·         Razões Práticas: sobre a teoria da acção, Oeiras: Celta Editora, 1997
·         Contrafogos: táticas para resistir à invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
·         Meditações Pascalianas, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001.
·         Contrafogos 2: por um movimento social europeu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
·         A Produção da Crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos, Porto Alegre, Editora Zouk, 2001
·         As Estruturas Sociais da Economia, Lisboa: Instituto Piaget, 2001
·         Lições da Aula: aula inaugural proferida no Collége de France em 23 de abril de 1982. São Paulo: Ática, 2001.
·         Esboço de Uma Teoria da Prática, Precedido de Três Estudos de Etnologia Cabila, Oeiras: Celta Editora, 2002
·         O Amor Pela Arte: museus de arte na europa e seu público, Porto Alegre, Editora Zouk, 2003
·         A Miséria do Mundo. Petrópolis: Vozes, 2003.
·         Esboço para uma Autoanálise, Lisboa : Edições 70, 2004
·         Para uma Sociologia da Ciência, Lisboa: Edições 70, 2004 (Trad. de: Science de la science et reflexivité)
·         Os Usos Sociais da Ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
·         Ofício de Sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis: Vozes, 2004. (em colaboração com Jean-Claude Chamboredon e Jean-Claude Passeron.)
·         A Distinção: crítica social do julgamento, Porto Alegre, Editora Zouk, 2007.

Cronologia

Cronologia de Pierre Bourdieu elaborada pelos professores Maria Alice Nogueira e Cláudio M. Martins Nogueira (com a colaboração de Gisele Ferreira da Silva e Vanda Lúcia Praxedes).

1930 – 1º de agosto – Pierre Félix Bourdieu nasce em Denguin, pequeno vilarejo da província do Béam, região rural do Sudoeste da França, situado nos Pirineus e próxima da Espanha, onde a língua nativa era o occitânico. Seu pai, Albert Bourdieu, originário de uma família de camponeses, havia se tornado, ao redor dos 30 anos, modesto funcionário público dos Correios, tendo exercido, ao longo da vida, o ofício de carteiro na região do Béarn. Sua mãe, Noémie Bourdieu, também proveniente do meio rural, pertencia a uma família de agricultores com nível social um pouco mais elevado.

1941-1947 – Frequenta o Liceu de Pau (capital do Béarn), onde cursa a primeira parte do ensino secundário e se distingue nos estudos.

1948-1951 – Recebe uma bolsa de estudos para cursar o ensino médio e, a conselho de um de seus professores do Liceu de Pau, ingressa no Liceu Louis-le-Grand, em Paris, reputado por constituir o melhor curso preparatório para o ingresso na École Normale Supérieure de Paris e por reunir os melhores alunos do país.

1951-1954 – Ingressa na célebre Escola Normal Superior (ENS) da Rue D’Ulm, em Paris, o mais importante centro de recrutamento e formação da elite intelectual francesa. Diploma-se, nessa escola, em Filosofia, aos 25 anos. Na mesma época, realiza estudos de graduação também em Filosofia na Faculdade de Letras de Paris (Sorbonne), onde defendeu a tese intitulada “Estruturas temporais da vida afetiva”.

1954 – Obtêm – juntamente com Jacques Derrida e Emmanuel Leroy-Ladurie – aprovação no concurso de Agrégation (concurso público de admissão ao cargo de professor de liceu ou de faculdade).

1954-1955 – Passa a lecionar Filosofia no Liceu de Moulins, pequena cidade situada na região central da França.

1955-1958 – É convocado e presta o serviço militar na Argélia, então colônia francesa no Norte da África, em plena guerra (1954-1962) por sua independência da França.

1958-1960 – Leciona na Faculdade de Letras de Argel (capital da Argélia), como professor assistente. Durante esse período, desenvolve extenso trabalho de campo que redundou numa etnologia da sociedade cabila (população camponesa habitante das regiões montanhosas do Norte da Argélia).

1960 – Em função do agravamento do conflito colonial e diante das posições liberais que assume ante a guerra de independência, Bourdieu é obrigado a voltar para a França, tornando-se professor assistente na Faculdade de Letras de Paris (Sorbonne).
[...]

1961-1964 – É nomeado professor e orientador pedagógico da Faculdade de Letras de Lille (cidade localizada Norte da França). Na Universidade de Lille, ministra, pela primeira vez, cursos sobre os “pais fundadores” da sociologia (Durkheim, Weber, Marx), mas também sobre a Antropologia britânica e a Sociologia norte-americana. Paralelamente, prossegue o trabalho de análise dos dados de campo coletados durante o período argelino e em suas constantes viagens de férias à Argélia.

1964 – Passa a lecionar na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) de Paris, credenciando-se também como orientador de teses e estudos científicos. Ao assumir esse posto, aos 34 anos, tornou-se um dos mais jovens professores dessa instituição. É indicado por Raymond Aron para sucedê-lo na direção do Centro Europeu de Sociologia. Torna-se diretor da coleção Le sens commun para a editora parisiense Minuit. Por mais de duas décadas, Bourdieu dirigiu essa coleção na qual publicou obras clássicas [...], bem como traduziu e divulgou, na França, grandes autores contemporâneos (entre eles: Goffman, Bernstein, Labov, Goody, Hoggart). Nessa mesma coleção, publica, em coautoria com Jean-Claude Passeron, o livro Les Héritiers, sua primeira grande obra no campo da Educação.

1967 – Funda o Centro de Sociologia da Educação e da Cultura (CSEC) na EHESS. Nesse centro, Bourdieu congregou e dirigiu, por mais de 30 anos, uma grande equipe de pesquisadores dedicados à compreensão das relações que se estabelecem entre o universo da cultura e o campo do poder e das classes sociais.

1970 – Publica, mais uma vez em coautoria com Jean-Claude Passeron, aquele que se tornaria seu livro mais conhecido no terreno da Educação: La reproduction [...].

1975 – Com o apoio de Fernand Braudel, então diretor da Maison des Sciences de l’Homme, cria o periódico Actes de La Recherche em Sciences Sociales (ARSS), que dirigirá até os momentos finais de sua vida. [...].

1979 – Publica, pela Editora Minuit, o livro La distinction, considerado por muitos como sua obra magna e que lhe valerá a consagração internacional. [...].

1981 – É eleito professor titular da cátedra de Sociologia do Collège de France. [...]

1993 – É lançada a primeira edição da coletânea, organizada por Bourdieu, La misere du Monde, que, apesar de suas mil páginas, teve enorme sucesso de vendas, e foi adaptada para o vídeo e para o teatro.

1993 – Recebe a Medalha de Ouro CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), um dos mais importante símbolos de reconhecimento conferidos pela comunidade científica francesa.

2001 – 28 de março – Dá sua última aula no Collège de France.

2002 – 23 de janeiro – Pierre Bourdieu morre, em Paris, aos 71 anos de idade. [...].”

Biografia

Pierre Félix Bourdieu nasceu no primeiro dia de agosto de 1930 no vilarejo de Denguin, na França.
Fez os estudos básicos num internato em Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas.
Em 1951, ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Três anos depois, graduou-se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde retomou a carreira acadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila.
De volta à França, assumiu a função de assistente do filósofo Raymond Aron (1905-1983), importante filósofo, sociólogo e comentarista político da França na Faculdade de Letras de Paris e, simultaneamente, filiou-se ao Centro Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral. Seu retorno à França marca também o início de sua volumosa produção científica. Sua publicação entre as décadas de 1960 e 1980 o caracteriza como importante sociólogo do século XX. A repercussão de suas reflexões o leva a lecionar em importantes universidades do mundo.
Bourdieu publicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos. Fundou as publicações Actes de La Recherche en Sciences Sociales e Liber.
Em 1982, propôs uma crítica sobre a formação do sociólogo, o que ficou identificado como “sociologia da sociologia”, em sua aula inaugural no Collège de France, levando esse objetivo em frente nos anos seguintes.
Quando morreu de câncer, em 2002, foi tema de longos perfis na imprensa européia. 
Um ano antes, um documentário sobre ele, Sociologia É um Esporte de Combate, havia sido um sucesso inesperado nos cinemas da França.